ESPIRITISMO, POSIÇÃO SOCIAL E SENTIMENTOS MORAIS NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Por Álvaro Capute

"...porque, entre os homens, as posições sociais guardam, frequentemente, relação inversa com a elevação dos sentimentos morais. Herodes era rei; e Jesus, carpinteiro." – Allan Kardec

Em comentário à questão 194-a do Livro dos Espíritos, Allan Kardec propõe uma reflexão importantíssima acerca das relações sociais e suas consequências ético-morais, com desdobramentos no contexto da sociedade.

Nesse sentido, a afirmação de Allan Kardec destaca uma observação crítica sobre as diferenças entre as posições sociais e a elevação moral dos indivíduos. Kardec, ao fazer essa observação, está refletindo sobre a discrepância que muitas vezes existe entre o status social de uma pessoa e sua verdadeira elevação espiritual ou moral.

"Entre os homens, as posições sociais guardam, frequentemente, relação inversa com a elevação dos sentimentos morais."

Aqui, Kardec sugere que, no mundo material, as pessoas que ocupam posições de poder ou prestígio nem sempre são aquelas que possuem os mais altos valores morais. Ele observa que a riqueza, o poder ou a posição social não são necessariamente indicadores de virtude ou elevação espiritual.

"Herodes era rei; e Jesus, carpinteiro."

Kardec utiliza o contraste entre Herodes e Jesus para ilustrar seu ponto. Herodes, um rei poderoso, é frequentemente associado a atos de crueldade e falta de moralidade (como o Massacre dos Inocentes). Por outro lado, Jesus, apesar de sua ocupação humilde como carpinteiro, é reverenciado por sua elevada moralidade e espiritualidade. Este exemplo serve para mostrar que a verdadeira grandeza não reside no status social, mas na pureza dos sentimentos e na elevação moral.

Na perspectiva espírita, essa reflexão é profundamente significativa, pois reforça a ideia de que a verdadeira evolução do espírito não está relacionada às conquistas materiais ou à posição social, mas sim ao progresso moral e espiritual. Kardec, com essa citação, convida a uma reflexão sobre os valores que a sociedade frequentemente enaltece e a necessidade de reconhecer a importância da moralidade e da espiritualidade como medidas mais precisas da verdadeira grandeza de um indivíduo.

Essa abordagem também enfatiza a ideia central do Espiritismo de que todos os espíritos são criados iguais e têm a mesma capacidade de evolução, independentemente de sua condição social ou material na Terra.

A citação de Allan Kardec, quando considerada no contexto das contradições e injustiças da sociedade capitalista, oferece um ponto de partida rico para uma análise crítica dos valores que regem as relações sociais e econômicas.

Fonte: Wikipedia

Contradições do Capitalismo e a Relação Inversa Entre Status Social e Moralidade

No sistema capitalista, o sucesso econômico e a ascensão social são frequentemente vistos como indicadores de mérito pessoal. No entanto, Kardec sugere que essas conquistas materiais muitas vezes não refletem a verdadeira moralidade ou elevação espiritual de um indivíduo. Em uma sociedade onde o acúmulo de riqueza é frequentemente priorizado em detrimento do bem-estar coletivo, surge uma contradição essencial: aqueles que ocupam posições de poder e prestígio podem ter adquirido esses status por meio de comportamentos que não necessariamente correspondem a princípios morais elevados.

Por exemplo, é comum observar que, em uma sociedade capitalista, a busca pelo lucro pode levar à exploração de trabalhadores, ao esgotamento de recursos naturais, e à criação de desigualdades sociais. Aqueles que se beneficiam dessas práticas podem ser celebrados socialmente e financeiramente, enquanto seus atos refletem um desprezo pelos valores morais mais profundos, como a justiça, a compaixão e a solidariedade.

A Injustiça Social e a Discrepância Entre Poder e Virtude

A comparação entre Herodes e Jesus feita por Kardec destaca uma injustiça estrutural: aqueles que detêm o poder político e econômico muitas vezes o fazem à custa dos mais vulneráveis. No capitalismo, essa dinâmica pode ser vista na forma como o poder e a riqueza se concentram nas mãos de poucos, enquanto a grande maioria luta para atender às necessidades básicas. A figura de Herodes, que usou seu poder de forma tirânica, contrasta diretamente com a de Jesus, que, embora ocupasse uma posição humilde, demonstrava virtudes morais elevadas.

Essa dicotomia reflete uma crítica ao sistema capitalista, onde o poder tende a se perpetuar entre aqueles que já possuem recursos, criando um ciclo de desigualdade que desvaloriza a verdadeira moralidade. Muitas vezes, indivíduos que se destacam por suas virtudes morais e espirituais não alcançam reconhecimento ou poder, enquanto aqueles que se utilizam de práticas antiéticas para acumular riqueza e poder são recompensados com status social.

A Desumanização das Relações Sociais e a Valorização do Material sobre o Espiritual

No capitalismo, as relações sociais são frequentemente mediatizadas pelo valor econômico. Isso pode levar à desumanização das interações, onde as pessoas são vistas como meios para um fim (geração de lucro), e não como fins em si mesmas. Essa desumanização contrasta fortemente com a visão de Kardec, que valoriza o espírito e a moralidade acima das realizações materiais.

A sociedade capitalista, ao privilegiar o sucesso financeiro e a acumulação de bens, tende a desvalorizar aqueles que, como Jesus, optam por uma vida de simplicidade e serviço ao próximo. Essa inversão de valores pode ser vista nas estruturas sociais que promovem o individualismo e a competição, em detrimento da cooperação e do bem comum.

O Chamado para a Transformação Social e Espiritual

A partir da análise de Kardec, é possível argumentar que uma transformação social verdadeira só será possível se houver uma reavaliação dos valores que a sociedade enaltece. O Espiritismo, ao enfatizar a evolução moral e espiritual, propõe uma alternativa ao modelo capitalista, onde o valor de um indivíduo é medido não pela riqueza que ele acumula, mas pela sua capacidade de agir com compaixão, justiça e solidariedade.

Essa transformação requer um movimento coletivo em direção a uma sociedade mais justa e equitativa, onde as riquezas materiais são distribuídas de maneira mais igualitária, e onde as virtudes morais são reconhecidas e incentivadas. No capitalismo, a mudança pode começar com uma maior consciência social e com políticas que promovam a redistribuição de riqueza e o fortalecimento das redes de apoio comunitário. No entanto, segundo Kardec, essa transformação também exige uma mudança espiritual, onde os indivíduos e a sociedade como um todo passam a valorizar a elevação moral como o verdadeiro critério de grandeza.

O Papel da Moralidade na Crítica ao Capitalismo

A assertiva de Kardec oferece uma crítica implícita ao capitalismo ao destacar a dissociação entre o poder social e a moralidade. Essa dissociação está no cerne das injustiças e contradições do capitalismo, onde o sucesso material não necessariamente reflete uma vida ética ou espiritual elevada. A valorização da moralidade e da espiritualidade sobre o status social propõe uma visão alternativa para a organização social, que se alinha com os princípios de justiça e igualdade.

Kardec, através de sua comparação entre Herodes e Jesus, não apenas aponta uma falha do capitalismo, mas também nos convida a repensar os valores que guiam nossas vidas e a sociedade em que vivemos. Ele nos lembra que a verdadeira grandeza não reside na riqueza ou no poder, mas na capacidade de viver de acordo com princípios morais elevados, independentemente da posição social que ocupamos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

KARDEC, Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. São Paulo: Paidéia, 2018.

TEIXEIRA, A. Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época. Introdução. Rio de Janeiro: Record, 2002.

HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

Jaeggi, R. (2018). Um conceito amplo de economia: economia como prática social e a crítica ao capitalismo. Civitas: Revista De Ciências Sociais18(3), 503–522. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018.3.32368

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